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Fonte: DW
Moçambique não deverá ter capacidade de assegurar as conquistas no norte do país quando a ajuda externa partir, suspeitam académicos. moçambicanos. O próprio Presidente Filipe Nyusi aponta um “desafio complexo”.
Depois de mais de três anos de glórias e crescente ocupação de posições em território considerado soberano, os terroristas começam a ser, de facto, vencidos graças ao apoio militar externo no norte de Moçambique.
Os moçambicanos celebram as conquistas de hoje, mas o dia de amanhã os espera assombroso. As missões estrangeiras têm prazo e Cabo Delgado voltará a ser um exclusivo de quem as chamou para “apagar o fogo”.
É nesse futuro próximo que justamente reside a dúvida, de acordo com o especialista em paz e segurança Calton Cadeado: “Na hora da saída eles vão sair, mas quem vai ter de assegurar as conquistas somos nós”, alerta.
“Se não conseguirmos fazer isso, porque estamos apenas a confiar nesses companheiros, há-de ser muito difícil. É só olhar para o número das nossas forças, nós não conseguimos depois fazer a consolidação das conquistas”, considera o analista.
Falta de investimento
Um dos exemplos mais gritantes da incapacidade das Força de Defesa e Segurança (FDS) de Moçambique foi nunca terem conseguido recuperar o ponto estratégico de Mocímboa da Praia que esteve nas mãos dos terroristas por quase dois anos. Os ruandeses precisaram de cerca de duas semanas para o fazerem. Terá o Governo moçambicano capacidade para assegurar essas conquistas obtidas graças a intervenção militar externa?
“O facto de Moçambique ter precisado desta intervenção externa já sugere que provavelmente a gente não tenha essa capacidade”, responde o académico Elísio Macamo.
“São conhecidos os problemas que tivemos nessa área, os investimentos que não foram feitos na área da Defesa, e sabe-se porque isso não foi feito e por isso não espanta também o facto de termos tido dificuldades em lidar com esta violência”, explica.
Para o analista, é legítimo recear problemas quando as forças estrangeiras deixarem Moçambique: “É um receio com alguma justificação, pelo histórico podemos partir desse princípio”.
Palavras não bastam
Embora não se referindo a um cenário de médio prazo, nesta segunda-feira (09.08), durante o lançamento da missão militar da SADC em Pemba, o Presidente de Moçambique assumiu que é um “desafio complexo” a manutenção e consolidação das posições recentemente recuperadas. Serão as palavras de Filipe Nyusi um indicativo do seu compromisso com uma reforma do exército nacional?
Macamo não vê motivos para confiar nas palavras do estadista: “Dizer coisas não é o suficiente para medir o compromisso que uma pessoa tem com determinados valores e princípios”, frisa.
“O Presidente da República prestou um juramento, mas algumas coisas que tem feito [violam o compromisso], por exemplo, levou quatro anos para se dirigir à nação e dizer o que está a acontecer em Cabo Delgado. Significa que muito provavelmente não dá valor às palavras que ele próprio profere. Numa República isso nunca devia ter acontecido”, sublinha o académico.
Pós-conflito tem de ser pensado já
A manutenção das conquistas não se prende apenas com questões territoriais e de soberania. À população, o Estado tem de dar garantias de segurança relativamente à sua vida.
As incertezas que chegarão com o amanhã devem impulsionar o Governo a agir já, defende João Nhampossa, especialista em direitos humanos da Ordem dos Advogados: “Tem de haver desde já o desenho de uma estratégia para o pós-conflito, que tipo de segurança vamos dar à sociedade para uma situação em que as tropas dizem ‘sim, missão cumprida’, vão embora e as pessoas tenham garantias de que a situação não volte a acontecer”, afirma.
O especialista espera ainda “que haja também a institucionalização de uma comissão que vai garantir a reparação dos danos, reparação das violações dos direitos humanos”.