Fonte: Notícias
A PASWA NA MULUNGO” (Abençoado por Deus) é a nova proposta da célebre banda musical beirense da actualidade, os Djaakas.
O disco, por sinal o terceiro, depois da estreia com “Mbole Mbole Na Yona” (2004) e de “Unidade Nacional” (2009), foi captado no Zep Estúdio, em Maputo, misturado e masterizado em Boston, nos Estado Unidos da América.
Já está no mercado, ainda que não oficial ou formalmente lançado, em face das restrições impostas pela pandemia da Covid-19.
Desde já, a saída de mais este trabalho vem marcar a sobrevivência da banda ao longo do tempo e a todas as suas imposições.
É que com a morte de Walter, em 2004, consensualmente o seu criativo, principal cérebro e vocalista, e do bailarino e vocalista Armstrong, em 2016, houve quem vaticinasse o fim de um grupo jovem criado na Casa Provincial de Cultura de Sofala em 2000 a partir do projecto Ndongue, liderado pelo saudoso compositor e intérprete David Mazembe.
Mas, para desmentir tal vaticínio, os Djaakas não só continuaram a desfilar pelos palcos nacionais como também, em 2009, lançaram o seu segundo álbum, este com a participação especial do também falecido vocalista dos Kapa Dech, Tony Django.
Eis então que, no corrente 2021, a banda apresenta este “A Paswa Na Mulungo”, de algum modo colhendo os moçambicanos de surpresa, logo em tempo de imensas dificuldades económicas agravadas pela maldita Covid-19 que dilacera a humanidade.
Desafiando todas as convulsões do mercado e do tempo, “A Paswa Na Mulungo” é uma colectânea de 10 temas
maioritariamente cantados em língua cisena.
Em quase todos esses temas, os Djaakas procuram, e conseguem, manter a linha tradicional já proposta em “Mbole Mbole Na Yona”, mesmo perante a participação de novos membros como Eliseu Meneses, autor de todas as letras e melodias, de Mumy Tongo, o guitarrista que emprestou o seu enorme talento a todas as faixas, e a ascensão de Julinho, o vocalista principal também em todos os títulos.
Tanto é assim que, logo a abrir este disco, a banda faz questão de recordar um conhecido “utsi”, nome de uma dança tradicional do Vale do Zambeze.
Um Vale do Zambeze, aliás, atravessado por linhas férreas por onde, além de mercadorias, circulam pessoas.
Vai daí a advertência: “Mwaiona Njanji” (qualquer coisa como viram a linha férrea), a segunda música do álbum que recomenda então os moçambicanos desta região e não só a prestarem toda a atenção possível à passagem dos comboios sempre que por ali circularem.
De recomendações, diga-se, o disco está prenhe, como seu apanágio. Quase sempre em forma de questionamento.
Sobre o amor, em “Gaxo Gaxo”: “porque é que se estão a perseguir com catanas? Porque as caras andam enrugadas agora?”. Sobre os casamentos prematuros: “porque é que obrigam uma menina de 13 anos a casar-se com um homem adulto?” (Tangue anji?).
“A Paswa Na Mulungo” também tem apelos à preservação do ambiente, por exemplo: “porque é que cortam árvores de qualquer maneira? Porque fazer queimadas descontroladas?”. Da premência do respeito pelos mais velhos: o envelhecimento é uma realidade. E do adultério: “porque comprar capulana para a mulher do outro?”
Em “Anbera” (beirenses), uma sonoridade que sugere a recriação do badalado “Djogorro”, do primeiro álbum, a banda vinca, efectivamente, a sua fidelidade à linha tradicional, o que volta a estar presente na própria faixa que dá título ao álbum, que se confunde profundamente com os sons propostos nos anteriores, principalmente em “Mbole Mbole Na Yona”.
Atento aos tempos, em “Ana Moçambique”, o grupo, na linha da faixa“Khalimane”, superiormente composta por Walter no disco de estreia, lamenta os males que nos flagelam, dos ciclones Idai e Kenneth ao coronavírus.
Sobre esta última desgraça, que nos “pregou uma rasteira e nos amordaçou”, aproveitam para apelar à lavagem das mãos, ao uso da máscara e a toda a obrigatoriedade de cada um ficar em casa. Não vá o diabo tecê-las!
Co-produzido por Papy Miranda, Djivas e Dionísio, e sob direcção geral deste último, “A Paswa Na Mulungo” é assim uma obra em que, tal como nas antecedentes, instrumentos chamados tradicionais como a timbila se entrelaçam-se com as guitarras, saxofones, teclados e as baterias para produzir aqueles sons fortes que são a marca registada da banda.
Quem, de facto, entre em contacto com este novo disco dos Djaakas vai, certamente, e com relativa facilidade, identificá-los, pois a linha, as “impressões digitais”, se quisermos, estão lá realmente presentes. Quanto mais não
seja por uma questão de identidade.
Os Djaakas foram assim, em “A Paswa Na Mulungo”, fiéis à sua própria linha tradicional.