Fonte: DW
É um costume polémico, mas na província de Inhambane, sul de Moçambique, há homens obrigados pela família da mulher a casar-se com companheiras mortas antes do velório. Autoridades afirmam que prática não é de lei.
Na província de Inhambane, no sul de Moçambique, há casos de homens obrigados a casar com as companheiras mortas antes do velório. É que a família da noiva exige o lobolo – o casamento tradicional – antes do enterro da mulher.
As autoridades afirmam o que já se sabe: que é uma prática comum na região, mas que não é de lei. Contudo reconhecem a necessidade de consciencialização para a mudança.
Para os homens, o problema começa quando ele, na condição de noivo, vive com a noiva sem antes ter feito o lobolo, ou seja, o casamento tradicional, que é muito comum no sul de Moçambique.
Dote à família
O ato tradicional consiste na obtenção do consentimento e na entrega de um dote à família da noiva. Entretanto, os pais da noiva costumam distanciar-se quando uma mulher sai de casa para viver com o homem seu o consentimento da família. Na eventualidade de uma desgraça – ou seja, a morte da mulher – os familiares ressurgem descontentes para um “ajuste de contas”.
Por exemplo, a companheira de Sérgio Massalo morreu depois de 10 anos de vida a dois, e o jovem foi obrigado a fazer o lobolo antes do enterro da companheira.
“Quando a mulher perdeu a vida, a família dela disse-me que a primeira coisa que eu deveria fazer era lobolar, antes mesmo da cerimónia fúnebre. Fez-se porque era uma obrigação”, conta.
Flora Jamisse também explica que o seu irmão mais velho foi obrigado a lobolar a noiva quando esta perdeu a vida, e mais: a família da falecida teria disponibilizado uma outra mulher em substituição.
“Lobolou mesmo e fizeram a questão de dar a irmã mais nova, mas ele negou e disse que não queria outra mulher dentro desta família. Ficou por isso mesmo”.
Perda de filhos
Eunice Gonçalves vive maritalmente com o seu noivo há mais de cinco anos. Quando perdeu o filho, no início de junho, o seu próprio pai recusou-se a participar do velório do neto porque o genro ainda não havia “lobolado” a mulher.
“A criança perdeu a vida e ligaram para [meu] papa, [mas ele] disse: ‘não vou, porque nem a apresentação [lobolo] ele fez”, conta.
Mas há ajuda para resolver casos como estes. Por exemplo, Carlota Fanheiro, secretária de bairro em Inhambane, terá apelado à população para contribuír na ajuda a um jovem que não tinha meios para lobolar a noiva morta. “Fui eu que mandei as minhas pessoas da zona para cobrar dinheiro da compra da madeira, fizeram o caixão e comida para a população”, explica.
Ângelo Paunde, diretor provincial da Justiça em Inhambane, entidade que regula assuntos de matrimónio, esclareceu à DW África que lobolar um cadaver é um procedimento que não consta na lei.
Paunde lembra que se trata de uma prática tradicional antiga, mas defende que é necessário alertar a população para deixar este costume.
“Não é de lei, não se pode casar com uma pessoa morta e inexistente. O lobolo é considerado um casamento de uma prática tradicional. O que é preciso fazer-se é uma campanha de educação cívica, alertando a população”, argumentou.