Fonte: Dossiers e Factos
Recentemente, a ministra da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, Maria Helena Mateus Kida, nomeou vários oficiais superiores da Guarda Penitenciária para directores em diferentes estabelecimentos penitenciários do país. Dos nomeados, consta também o nome de um técnico superior que não é do quadro de paramilitares, que foi confiado para exercer o cargo de director nacional de Administração e Finanças (DAF) ao nível do SERNAP.
Estranhamente, 12 dias após a nomeação, e cinco dias depois da tomada de posse e apresentação nos respectivos estabelecimentos penitenciários onde deviam exercer as funções de directores, três dos nomeados, nomeadamente Hermínia Nhamundze, Ramos Zambuco e Alfredo Pires, recebiam despachos de exoneração, emitidos pela própria ministra que acabava de os nomear.
A decisão deixou muitos incrédulos, incluindo alguns elementos do Conselho Consultivo do ministério que é dirigido por Helena Kida, que ao mesmo tempo questionavam a razão para tal atitude, pese embora alguma imprensa tenha, citando fontes do SERNAP, escrito que a decisão da ministra Kida se devia ao facto de os dois directores das penitenciárias ora exonerados (Hermínia Nhamundze e Ramos Zambuco) terem sido, na companhia de outros 17 colegas seus, detidos anos atrás, indiciados de supostamente terem facilitado o processo de soltura de Momad Assif Abdul Satar ( Nini).
Dos factos para a referida detenção
O Dossiers & Factos, que tem vindo a acompanhar a evolução deste imbróglio desde que foi despoletado, em 2014, sabe que se trata de um caso que culminou com a instauração de um processo-crime com o número 451/ PCM – 2014, que era movido contra Ramos Zambuco e Hermínia Nhamundze, funcionários do Estabelecimento Penitenciário de Máxima Segurança (BO) e da Penitenciária da Província de Maputo, antes conhecida como Cadeia Central da Machava. No entanto, durante longo período, e depois de terem sido ouvidos na instrução do referido processo, todos os funcionários continuaram a trabalhar normalmente, sendo que alguns, inclusive, foram sendo nomeados para diferentes cargos de direção do SERNAP, com conhecimento do ministério da tutela.
Ademais, quando o caso foi despoletado, ao nível do SERNAP, foram instaurados processos disciplinares a todos os implicados, com vista aferir a responsabilidade de cada funcionário naquele caso, e, através de um despacho da então ministra do sector, Maria Benvinda Levy, o mesmo foi dado como sem efeito, por não ter sido encontrada matéria que consubstanciasse irregularidades no processo da proposta para liberdade condicional do recluso Momad Assif Abdul Satar (Nini)
2018, ano das detenções
Com isto, quatro anos depois da instauração do processo-crime pela PGR ao nível da cidade de Maputo, os funcionários acima mencionados recebiam mandatos de prisão, alegadamente porque aqueles profissionais concederam na proposta ao Tribunal “bom comportamento a Nini”, quando este, no entender da PGR, não merecia tal classificação, pelo facto de, por algumas ocasiões, ter sido surpreendido na posse de telemóveis e ter mandado entrar para o recinto prisional latas de tinta para a pintura de pavilhões onde estão encarcerados centenas de reclusos, entre outros argumentos constantes de uma nota enviada pelo MP ao TJCM, para impedir a liberdade condicional do réu, documento esse que está na posse do Dossiers & Factos.
Tribunal rebateu todos os argumentos e mandou soltar Nini
Entretanto, o TJCM, através da sua 10.ª Secção, rebateu todos os argumentos da digna magistrada do Ministério Público e, de seguida, considerou improcedentes as alegações. O juiz acrescentou que “negar ao réu a liberdade condicional, por causa dos factos referidos nos autos, sobre os quais aquele nunca tinha tido a possibilidade de, em processo específico, defender-se e produzir-se prova esclarecedora, não seria justo nem equilibrado”. À data dos factos, 2014, o juiz de direito Adérito Abraão Malhope, dentre vários argumentos em despacho judicial, considerou que Nini Satar mostrava capacidade e vontade de se adaptar à vida honesta, pelo que o réu reunia a totalidade dos pressupostos legais para se beneficiar da liberdade condicional, e assim concedeu-lhe tal direito.
Tribunal mandou soltar e funcionários continuam penalizados
Como se pode depreender neste resumo dos factos que procuramos aqui fazer, houve, de forma legal, uma discussão oficial entre o Ministério Público e o Tribunal, sendo que a decisão final de soltar ou de conceder liberdade condicional a Nini Satar foi inteiramente do Tribunal e não dos funcionários das duas penitenciárias, que apenas agiram com base no Decreto – Lei 26643, que aprova a organização prisional.
Ademais, para que um recluso seja considerado de difícil correcção e por via disso seja impedido de gozar da liberdade condicional, deve existir em sentença condenatória uma nota que assim o indique, o que não aconteceu.
O Dossiers & Factos está na posse do mandado de soltura emitido pelo TJCM, que, para além de orientar a liberdade de Nini, ainda ameaçava mandar deter o director do Estabelecimento Penitenciário Provincial de Maputo, caso não soltasse Nini no prazo de seis horas, a partir da hora em que o mandado descesse para o cartório, saído do gabinete do juiz. Este elemento mostra que estes funcionários apenas cumpriram ordens emanadas pelo Tribunal.
Ministra tem domínio de todo este historial
Entende-se nos corredores do Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos que a ministra deve ter, de forma detalhada, todo este historial, porque, para que seja nomeado alguém para o cargo de director de um estabelecimento penitenciário, é enviado o curriculum vitae do proposto, com detalhes de todo o seu passado. Assim sendo, causa espanto que, havendo irregularidades nos processos individuais, a ministra os tenha nomeado, para só a posteriori fazer uma reflexão sobre a matéria. De resto, pode-se concluir que os dois oficiais superiores ora exonerados foram negativa e publicamente expostos pela ministra, sem necessidade. Por outro lado, questiona-se sobre o futuro profissional destes oficiais, que ganharam o processo disciplinar e nunca foram julgados pelo Tribunal, volvidos sete anos.