Fonte: Notícias
No Verso da Cicatriz”, segundo romance e terceiro livro da carreira literária de Bento Baloi, publicado recentemente na cidade de Maputo, é uma obra que se faz de memórias individuais do autor e colectivas.
A obra, com mais de 300 páginas, é dividida em três partes, nomeadamente “A Ferida”, “O Sangue” e “A Cicatriz”, e recorre ao amor como um pretexto para escrever sobre os contornos da guerra dos 16 anos cujas cicatrizes ainda não sararam por completo.
“No Verso da Cicatriz” narra uma história sobre o passado pós-colonial e acontece entre os meados de 1970 e o princípio da década de 1990, até porque a obra culmina exactamente com a celebração da assinatura, em 1992, do Acordo Geral de Paz, na cidade italiana de Roma.
Também autor das obras “Recados da Alma”, romance, e “Arca de Não É”, crónica, procura igualmente descrever o estado de euforia com que a notícia foi recebida pelos moçambicanos que ansiavam pelo fim deste que foi um dos conflitos mais macabros de sempre.
Na obra é narrada a história dos personagens Bernardo Mulhanga e Maria Helena, naturais de Maguaza, distrito da Moamba, província de Maputo, cujas vicissitudes da vida e o contexto de guerra os leva a conhecer quase todo o país, um a procura do outro.
Os personagens, por diversos motivos aliados ao conflito, separam-se e, na tentativa de se encontrarem, presenciam as atrocidades da guerra dos 16 anos cometidas contra si e outros cidadãos, num conflito que, como muitos moçambicanos, não compreendiam a razão.
Bento Baloi faz destes intervenientes os contadores das suas próprias histórias e deste modo coloca o leitor diante de narradores presentes, do o que lhe sucede na primeira pessoa.
Sendo a história movida pelo amor, os amantes fazem tudo focado no parceiro, que é a força motriz que lhes faz continuarem vivos e a acreditar num futuro melhor, apesar de estarem a viver um ambiente de caos sem precedentes, no qual o país estava mergulhado.
Recorrendo à esta técnica narrativa, Bento Baloi foca-se no personagem Bernardo Mulhanga, o que se pode notar com o facto de nos três capítulos da obra apenas o segundo ser narrado na voz de Maria Helena.
Ambos, entretanto, têm histórias aproximadas por terem crescido em Maguaza e por terem sido prisioneiros acusados de serem da Testemunhas de Jeóva, uma organização religiosa que não assume posição política e que no tempo destes acontecimentos era perseguida.
Os dois também foram refugiados de guerra no Malawi e experimentaram a vida das matas. Mas, conforme aconteceu à força com Bernardo Mulhanga, Maria Helena não chega a alinhar-se nas fileiras dos “rebeldes”, termo muito usado na obra, que lutavam contra as forças governamentais.
Todas estas histórias, refere Bento Baloi na nota final, foram escrita em forma de homenagem às vítimas da guerra dos 16 anos. É um romance inspirado naquilo que presenciou e ouviu neste e sobre este período, logo depois da Independência, quando o autor tinha apenas sete anos. É também um testemunho dos tempos de jornalista do “Notícias” e um relato igualmente influenciado pelas viagens feitas por Moçambique ao longo da vida.
Um registo sobre a sua adolescência em Ka-Vieira, cidade Maputo, que o leva, por exemplo, aos campos de reeducação, para onde foi levado um dos seus vizinhos. “Há quem diga que terá morrido por lá”, esclarece.