Fonte: Diário Económico
A revista The Economist, na edição anual “The World Ahead 2024”, seleccionou as tendências que vão marcar o mundo em 2024. Os temas são diversos e vão desde a democracia, geopolítica, economia, transição energética, ecologia, segurança, tecnologia e desporto. Paralelamente, na edição especial dedicada a África, a entidade fez uma antevisão específica. Apresentamos seguidamente as tendências mais relevantes.
As dez tendências globais para 2024 são…
1. Metade do mundo vai a votos
O estado global da democracia vai estar em análise este ano, dado que vão ocorrer cerca de 70 eleições em países que albergam 4,2 mil milhões de pessoas, ou seja, mais de metade da população mundial. É o caso, por exemplo, da África do Sul, Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, Bangladesh, Paquistão e México. Os analistas da The Economist consideram, porém, que o facto de haver mais votações e mais votantes não significa que exista também mais e melhor democracia, porque uma parte substancial dessas eleições não são livres nem justas.
2. Estados unidos ou desunidos?
Este será o ano em que Donald Trump será julgado, entre outras acusações, pela tentativa de anular a sua derrota nas eleições presidenciais de 2020. Paradoxalmente, será também ele, ao que tudo indica, o escolhido pelos republicanos para a corrida à Casa Branca e, se assim for, as estimativas apontam para que tenha um terço de hipóteses de sair vitorioso. No fundo, serão apenas alguns milhões de votantes, dos chamados swing states, que vão decidir o próximo Presidente dos Estados Unidos. Mas as consequências desse voto terão implicações à escala global, desde as políticas climáticas até às guerras na Ucrânia e Israel.
3. Europa: precisam-se de líderes
Quando o francês Jacques Delors, a figura-chave da integração europeia, faleceu no final do ano passado, muitos foram os que acusaram a União Europeia (UE) de não ter actualmente líderes à altura do momento histórico que vivemos. Temas como o aumento do orçamento militar, a ajuda à Ucrânia, a emigração, o alargamento a novos Estados-membros, a política energética, a luta contra o aquecimento global, o crescimento dos partidos populistas, etc. necessitam de líderes fortes e determinados. Sobretudo se o Presidente americano for Trump.
4. Médio Oriente em chamas
O regresso da guerra ao Médio Oriente saldou-se em milhares de mortos e num desastre humanitário épico. Em 2024 ficará mais claro se esta tragédia está apenas no início e irá alastrar a mais países da região. Ou se, pelo contrário, será o ponto de partida para uma solução (tantas vezes discutida, mas nunca aplicada) dos dois Estados (Israel e Palestina).
5. Planeta perigoso e bipolar
As guerras na Ucrânia e no Médio Oriente não fizeram decrescer (antes acentuaram) a rivalidade entre os Estados Unidos e China. A Rússia afastou-se ainda mais da Europa e procura novos alinhamentos na Ásia e em África, tal como prova o recente alargamento dos BRICS à Arábia Saudita, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irão. Pior que tudo: muitos conflitos militares locais, antes congelados, voltaram a eclodir (por exemplo, na região do Sahel, que engloba países como o Sudão, Níger, Guiné, Chade, Mali e Burquina Faso).
6. A segunda “guerra fria”
O crescimento da economia chinesa abrandou; as tensões com Taiwan aumentaram; os Estados Unidos limitam o acesso da China às tecnologias avançadas; a Europa quer reduzir a dependência das cadeias de abastecimento chinesas (e russas na energia); a deslocalização e o investimento estrangeiro entre os dois blocos económicos estagnou, enquanto a luta global por recursos naturais recrudesceu. Os sinais da “segunda guerra fria” são evidentes.
7. A nova geografia energética
A transição em curso para as chamadas “energias limpas” mudou a geografia da economia mundial. Se antes se lutava sobretudo pelo petróleo e pelo gás, hoje são minérios como o lítio, cobre e níquel que despertam a cobiça das superpotências. A competição pelos “recursos verdes” está a dominar a geopolítica e o comércio, ao mesmo tempo que, sobretudo nos países ocidentais, aumenta a pressão dos consumidores por medidas que combatam as alterações climáticas e as emissões de carbono junto dos governos e das multinacionais.
8. Incerteza domina economia
A economia da maioria dos países desenvolvidos até cresceu melhor do que o esperado, mas a inflação continua alta (salvo na China que corre riscos de deflação), os juros descem pouco e o espectro de nova recessão permanece. A incerteza parece ter vindo para ficar.
9. Inteligência artificial é real
Apesar do debate crescente entre os riscos e a necessidade de regulação, a verdade é que a chamada inteligência artificial generativa se tornou uma realidade incontornável e aumentam os receios quanto aos efeitos no emprego e até na sua possível influência nos resultados eleitorais.
10. Os jogos da boa vontade
O ano de 2024 será marcado por grandes eventos mundiais que tendem a reunir os povos e a esfriar as rivalidades, a começar pelos Jogos Olímpicos de Verão em Paris, o Euro e a Copa América de futebol ou até o Mundial de Críquete. Será também um ano (do Dragão) repleto de novas odisseias espaciais que nos fazem sonhar com um mundo melhor e mais próspero.
As cinco tendências para o continente africano são…
1. Dinamismo económico
África será o continente com o segundo maior crescimento (depois do asiático) à escala global (a The Economist prevê que a média do PIB vá crescer 3,2% este ano). Prova disso é o facto de o continente africano albergar 12 das 20 economias mais dinâmicas do mundo em 2024, destacando-se a região Oriental (Etiópia, Quénia, Uganda, Ruanda, Tanzânia e RDC). Pela negativa, o Sudão e a Guiné Equatorial vão manter-se em recessão económica. Os analistas prevêem também que Moçambique seja a 17.ª economia mais dinâmica do mundo e a 10.ª com o melhor desempenho em África (logo depois do Senegal, Mauritânia, Líbia, Ruanda, Costa do Marfim, RDC, Benin, Uganda e Etiópia).
2. Riscos políticos e de segurança
Em 2024, vão ocorrer eleições de desfecho incerto em muitos países africanos (caso da África do Sul, Argélia, Botsuana, Gana, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Ruanda e Tunísia), o que gerará riscos políticos acrescidos. No caso da poderosa África do Sul espera-se que o ANC, liderado pelo Presidente Cyril Ramaphosa, possa vencer por uma pequena margem, mas dificilmente o fará com a maioria de 50%. No capítulo dos riscos de segurança, a região do Sahel, marcada por conflitos armados recentes (engloba países como o Sudão, Níger, Guiné, Chade, Mali, Burquina Faso, os três últimos com eleições presidenciais em 2024) é a que inspira maiores preocupações.
3. Endividamento excessivo
Muitos países enfrentarão sérios constrangimentos de liquidez que derivam do pagamento dos juros das dívidas externas agendadas para 2024. O Quénia, por exemplo, é um dos mais expostos a um potencial incumprimento (default), dado que terá de pagar, entre outros compromissos, 2 mil milhões de dólares de eurobonds em Junho. Também a Zâmbia só agora concluiu um longo (desde o default de 2020) e intricado acordo de reestruturação da dívida com os credores, em particular com os chineses. Outros países como a Etiópia, Gana, Maláui, Moçambique, Somália, Sudão e Zimbabué poderão necessitar de fazer acordos de reestruturação da sua dívida soberana ao longo do próximo ano.
4. Pressão inflacionista
Após os níveis de inflação recorde que ocorreram em alguns países africanos no ano passado (Angola, Seicheles, Sudão e Tanzânia são os mais evidentes), a pressão inflacionista parece estar a diminuir em todo o mundo e também em África. No entanto, em 2024, ainda haverá um número significativo de países com taxas de inflação a dois dígitos, caso de Angola, cuja inflação poderá duplicar para os 22,3% e o da Nigéria com 23%. Mas também a RDC, Etiópia, Egipto, Gana, Nigéria, Sudão e Zimbabué (este último com uma inflação galopante de 222%) terão pressões inflacionistas severas, fruto, em grande parte, dos preços da energia.
5. Depreciação das moedas
A pressão para a desvalorização das moedas locais face ao dólar irá manter-se em 2024, especialmente nos países com as maiores taxas de inflação. Em 2023, as moedas da África do Sul, Namíbia e Botsuana foram as que perderam mais valor face ao dólar, mas o caso mais grave deste ano será o do Zimbabué, um país altamente dependente do dólar e onde até se admite a plena adopção do chamado “ouro digital” (gold-backed digital tokens), o que faria desvalorizar ainda mais a moeda local. Também o Egipto, Sudão, Etiópia, Angola e Nigéria poderão ter depreciações superiores a dois dígitos ao longo deste ano.
Fontes: Versão adaptada das tendências identificadas na revista The World Ahead 2024, da The Economist e no relatório Africa Outlook 2024, da Economist Intelligence Unit.