Fonte: Carta Mz
O empresário Hakainde Hichilema, candidato presidencial do United Party for National Development (UPND) nas eleições de ontem, 12 de Agosto, na República da Zâmbia, pode ser confirmado, nas próximas 48 horas, como o sucessor de Edgar Lungu, concorrente à sua própria sucessão pelo partido Patriotic Front (PF).
Se a tendência geral da contagem de votos se confirmar, Hichilema, popularmente conhecido por Bally – significando pai, protector, o que resolve os problemas – chegará à Presidência da Zâmbia à sexta vez que se lança à corrida, as três últimas das quais, incluindo a de ontem, tendo Lungu como principal adversário.
Tendo perdido com uma diferença de menos de 2% de votos nas últimas eleições, em 2016, vários analistas abordados pelo nosso jornal em Lusaka acreditam a tendência geral de “empate técnico” um pouco por todo o país, com sinal ligeiramente mais para Hichilema, poderá se transformar em vitória para Hichilema, ainda que a tangente, “sobretudo se a Comissão Eleitoral da Zâmbia (ECZ) se mantiver rigorosa no cumprimento das regras de jogo, não embarcando em manobras”, conforme a opinião de um observador local, afecto à Igreja Católica.
“Este elevadíssimo nível adesão à votação, jamais visto, principalmente de jovens, sugere que o tempo do Presidente Lungu chegou ao fim”, acrescentou o mesmo observador.
Nas eleições de 2016, a participação foi de 56% dos eleitores inscritos. Carta testemunhou, na tarde de ontem, no centro de votação da Chakungula Basic School, na constituência de Munali, distrito do mesmo nome, uma enorme afluência às urnas de eleitores, maioritariamente jovens. Na rua, ou seja, fora do recinto da escola, a fila perfazia mais de um quilómetro.
Um observador internacional, com larga experiência de participação em eleições no continente africano, referiu estar “positivamente surpreendido” com o nível de adesão dos eleitores, sobretudo numa altura em que a democracia eleitoral encontra-se em crise, muitas vezes por conta da corrosão de credibilidade de eleições.O mesmo observador internacional precisou que “normalmente, elevados níveis de abstenção beneficiam os que estão no poder, sucedendo o contrário com os que estão na oposição”.
‘Obstrução técnica’ de votação?
No mesmo centro de votação, nos deparámos com um fenómeno descrito por vários eleitores que se achavam presentes no local como sendo maquiavélico: esgota a tinta indelével que se usa para ‘marcar’ o dedo indicador direito dos eleitores que já tenham exercido esse direito, no caso zambiano antes de se proceder com o depósito do voto nas urnas, diferentemente do que sucede em vários países, incluindo Moçambique. “Vocês acham isto normal? O bom é que todos nós, que nem nos conhecemos, decidimos ficar aqui até que possamos exercer o nosso direito”, disse-nos Tisah Masiwa, jovem eleitora de 22 anos. Enquanto isso, vários eleitores gritavam: “Estamos à espera deste momento há cinco anos. Tudo menos desistir”.
A votação para as eleições gerais de ontem – presidenciais, legislativas, autárquicas – tinha o térmico marcado para às 18 horas do mesmo dia, depois que a mesma iniciou pontualmente às 6 horas, nas pouco mais de 12 mil assembleias de voto um pouco por todo o país, mas nalguns pontos a mesma teve que decorrer até às primeiras horas de hoje, 13 de Agosto, devido à elevada participação do eleitorado. Nos termos da lei em vigor, a ECZ tem até 72 horas depois das eleições para proclamar os resultados eleitorais.
Na terça-feira, o respectivo director-geral, Kryticous Patrick Nshindano, garantiu, em conferência de imprensa concedida no centro de agregação de resultados, que esse prazo será cumprido. Para as eleições de ontem, estavam registados 7.023.499 eleitores. Dezasseis candidatos concorrem às eleições presidenciais de ontem, incluindo Fred M’membe, um famoso jornalista e empresário de media zambiano. Mas só Lungu e Hichilema tem chances de se saírem vencedores.
As investidas de Lungu
Entretanto, tudo indica que Edgar Lungu não venderá fácil uma eventual derrota. Na última noite, deu ordens às hierarquias militares para que se fizeram às suas no sentido de conter actos de violência e sabotagem. Desde o início da semana, eram já visíveis enormes contingentes policiais nas ruas das principais cidades da Zâmbia, com destaque para Lusaka e Ndola.
Desde o princípio da tarde de ontem, registam-se restrições recorrentes no serviço de telecomunicações, com particular destaque para a transmissão de dados, sobretudo pela rede social WhatsApp. O sustentáculo legal desse tipo de empreitada é uma controversa Lei de Segurança Digital, que entrou em vigor em Abril último. Na primeira semana de Julho último, fechou um acordo com o Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, através do qual o seu governo “comprava” os créditos bancários daqueles, num quadro em que assumiria “grande parte” dos juros a eles atinentes.
Aliás, em Julho, Agosto e Setembro todos os funcionários públicos zambianos que tenham financiamento nalgum banco comercial terá os seus salários por inteiro, “como forma de melhor se organizarem” para o acordado com o referido sindicato. Mas os “investimentos” de Lungu visando, em última análise, a manutenção no poder não param por aí: tentou, há alguns meses, alterar a Constituição, para que deixasse de ser mandatória a realização de uma segunda volta se nenhum dos candidatos obtiver mais de 50% dos votos, excepto se uma coligação pós-eleitoral se mostrasse impossível.
No leque de práticas anti-democráticas do regime de Lungu, incluem-se o cerceamento da liberdade de imprensa, por via de fecho de órgãos de comunicação social, processos judiciais contra jornalistas, bem assim perseguições e detenções a opositores políticos e activistas da sociedade civil. Até o seu principal rival político, Hakainde Hichilema, viu-se, em 2017, privado de liberdade por alguns dias, acusado de cometimento do crime de traição à pátria.